quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Alma, vendo.



















Decidi vender minha alma ao Diabo para ser um homem de sucesso. Logo me deparei com um problema prático: como é que se fala com o Diabo? Em todos os exemplos que conhecia, da literatura e do cinema, o Diabo fazia o primeiro contato. O Diabo era o interessado, era dele a proposta para comprar a alma. Como deveria proceder quem tinha uma alma para vender e procurava o comprador?

Raciocinei que a melhor maneira de encontrar o Diabo seria fazendo diabruras. Freqüentando os lugares que ele obviamente freqüentava, convivendo com gente que ele obviamente influenciava, fazendo coisas que ele obviamente aprovaria, e que chamariam sua atenção.

Comecei a visitar os piores antros, a me dedicar ao deboche e à devassidão, a chutar velhinhas, a fumar cocaína e a cheirar maconha (era viciado novo). Fatalmente, no meio de uma orgia, ou atirado no chão de uma cela fria coberta com o meu próprio vômito, ou numa reunião de comunistas planejando o seqüestro de um arcebispo, eu encontraria o Diabo e lhe ofereceria minha alma em troca do sucesso. Mas uma noite, pulando uma cerca para estuprar umas galinhas, me dei conta de que minha estratégia estava errada. Quanto mais diabruras eu fizesse, menos valeria a minha alma. Por que o Diabo compraria uma alma que obviamente já era sua?

Passei a fazer o contrário, a viver uma vida de ostensiva virtude. Em vez de chutar velhinhas, ajudava-as a atravessar a rua mesmo que não quisessem. Tornei-me religioso. Cheguei a me internar em mosteiros, para jejuar e me autoflagelar, na esperança de que o Diabo, que não aparecera nas celas das delegacias onde eu penava minhas ressacas, aparecesse nas celas do meu retiro, onde eu polia e encerava minha alma para melhor comercializá-la. Mas o Diabo não apareceu; o jejum quase me matou, mas o Diabo não apareceu.

Concluí que só havia uma coisa a fazer: procurar pessoas que, na minha opinião, venderam sua alma ao Diabo, pois nada mais explicava seu sucesso, e perguntar como tinham conseguido. Prometeria absoluta discrição. Ninguém ficaria sabendo das suas transações com o Diabo, eu só precisava da dica. O Diabo lhes aparecera voluntariamente ou fora conjurado? De que forma? Havia algum intermediário, alguém agenciava o encontro? Tinham assinado contrato?

Não deu certo. Por alguma razão, nenhum dos que eu procurei reconheceu que devia seu sucesso a um trato com o Diabo, e todos negaram conhecê-lo. Em muitos casos, ficaram indignados.

— Devo meu sucesso ao meu talento!

— Mas você não tem talento.

— Trabalhei muito para chegar onde estou, meu caro.

Não adiantou eu insistir que a informação seria confidencial, que eu queria apenas um acesso ao Diabo. Algum telefone? E-mail? Como falar com o Diabo? Ninguém colaborou.

Minha última tentativa. Vou recorrer aos jornais. Já bolei o anúncio que sairá nos classificados. Sob Negócios Diversos.

"Alma, vendo ou troco por sucesso, prestígio, poder. Garantia de entrega na minha morte. Não está hipotecada. Tratar com..."

Mas também colocarei outro anúncio sob Pessoais.

"Se você tem milhões de anos de idade, cabelo engomado e cascos nos pés, isto talvez lhe interesse..."

Ou então alguma coisa mais direta:

"Me liga, Diabo!", e o número.

Mas estou em dúvida. Em que jornal publicar os anúncios, com a certeza de que o Diabo os lerá? O Diabo prefere a imprensa mais ou menos conservadora? Desconfio que leia todos os jornais de negócios, para acompanhar a aplicação, na prática, de alguns dos seus ensinamentos, mas também leia a imprensa popular, divertindo-se com as notícias sangrentas das seções policiais e se deliciando, nas seções de espetáculos e TV, com o sucesso de tantos que trocaram suas almas pelo seu patrocínio.

Se isto também não der certo, não sei mais o que fazer. Onde está o diabo desse Diabo? Que meios ele freqüenta? E o pior é esta sensação de que já estive do seu lado, e não o reconheci, e perdi a oportunidade de negociar minha alma, que será minha até morrer, sem qualquer lucro, e depois passará para o domínio público. Se o Diabo ao menos usasse um escudinho na lapela!


Luis Fernando Veríssimo

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