segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Os homenzinhos de Grork


A ficção científica parte de alguns pressupostos, ou preconceitos, que nunca foram devidamente discutidos. Por exemplo: sempre que uma nave espacial chega à Terra vinda de outro planeta, é um planeta mais adiantado do que o nosso. Os extraterrenos nos intimidam com suas armas fantásticas ou com sua sabedoria exemplar. Pior do que o raio da morte é o seu ar de superioridade moral. A civilização deles é invariavelmente mais organizada e virtuosa do que a da Terra e eles não perdem a oportunidade de nos lembrar disto. Cansado de tanta humilhação, imaginei uma história de ficção diferente. Para começar, o Objeto Voador Não Identificado que chega à Terra, descendo numa planície do Meio-Oeste dos Estados Unidos, chama a atenção por um estranho detalhe: a chaminé.
— Vi com estes olhos, xerife. Ele veio numa trajetória irregular, deu alguns pinotes, tentou subir e depois caiu como uma pedra.
— Deixando um facho de luz atrás?
— Não, um facho de fumaça. Da chaminé.
— Chaminé? Impossível. Vai ver o alambique do velho Sam explodiu outra vez e a sua cabana voou.
— Não, tinha o formato de um disco voador. Mas com uma chaminé em cima.
O xerife chama as autoridades estaduais, que cercam o aparelho. Ninguém ousa se aproximar até que cheguem as tropas federais. Um dos policiais comenta para o outro:
— Você notou? A vegetação em volta...
— Dizimada. Provavelmente um campo magnético destrutivo que cerca o disco e...
— Não. Parece cortada a machadinha. Se não fosse um absurdo eu até diria que eles estão colhendo lenha.
Nesse instante, um segmento de um dos painéis do disco, que é todo feito de madeira compensada, é chutado para fora e aparecem três homenzinhos com machadinhas sobre os ombros. Os três saem à procura de árvores para cortar. Estão examinando as pernas de um dos policiais, quando este resolve se identificar e aponta um revólver para os homenzinhos.
— Não se mexam ou eu atiro. Os homenzinhos recuam, apavorados, e perguntam:
— Atira o quê?
— Atiro com este revólver.
O policial dá um tiro para o chão como demonstração. Os homenzinhos, depois de refeitos do susto, aproximam-se e passam a examinar a arma do policial, maravilhados. Os outros policiais saem de seus esconderijos e cercam os homenzinhos rapidamente. Mas não há perigo. Eles querem conversa. Para facilitar o desenvolvimento da história, todos falam inglês.
— Vocês não conhecem armas, certo? - quer saber um policial. - Estão num estágio avançado de civilização em que as armas são desnecessárias. Ninguém mais mata ninguém.
— Você está brincado? - responde um dos homenzinhos. - Usamos machadinhas, tacapes, estilingue, catapulta, flecha, qualquer coisa para matar. Uma arma como essa seria um progresso incrível no nosso planeta. Precisamos copiá-la!
Chegam as tropas federais e diversos cientistas que examinaram os extraterrenos e seu artefato voador. Começam as perguntas. De que planeta eles são? De Grork. Como é que se escreve? Um dos homenzinhos risca no chão: GRRK.
— Deve faltar uma letra - observa um dos cientistas. - O "O".
— O "O"?
— Assim - diz o cientista da Terra, fazendo uma roda no chão. O homenzinho examina o "O". As possibilidades da forma são evidentes. A roda! Por que não tinham pensado nisso antes? Voltarão para o Grork com três idéias revolucionárias: o revólver, a roda e a vogal! Querem saber onde estão exatamente. Nunca ouviram falar da Terra. Sempre pensaram que seu planeta fosse o centro do universo e aqueles pontinhos no céu, furos no manto celeste. Sua viagem era uma expedição científica para provar que o planeta Grork não era chato como muitos pensavam e que ninguém cairia no abismo se passasse do horizonte. Sua intenção era navegar até o horizonte.
E como tinham vindo parar na Terra?
Pois é. Alguma coisa deu errado.
Tinham descido na Terra, porque faltara lenha para a caldeira que acionava as pás que moviam o barco. Então aquilo era um barco? Bom, a idéia fora a de fazer um barco. Só que em vez de flutuar, ele subira. Um fracasso. Os homenzinhos convidam os cientistas a visitarem a nave. Entram pelo mesmo buraco de madeira da nave, que depois é tapado com uma prancha e a prancha pregada na parede. Outra boa idéia que levarão da Terra é a dobradiça da porta.
O interior da nave é todo decorado de veludo vermelho. Há vasos com grandes palmas, lustres, divãs forrados com cetim. Um dos homenzinhos explica que também tinham um piano de cauda, mas que o queimaram na caldeira quando faltou lenha. Tudo do mais moderno.
— E que mensagem vocês trazem para o povo da Terra? - pergunta um dos cientistas.
Os homenzinhos se entreolham. Não vieram preparados. Mas como a Terra os recebeu tão bem, resolvem revelar o segredo mais valioso da sua civilização. A fórmula de transformar qualquer metal em ouro.
— Vocês conseguiram isso? Espanta-se um cientista.
— Ainda não – responde um homenzinho – mas é só uma questão de tempo. Nossos cientistas trabalham sem cessar na fórmula, queimando velas toda a noite.
— Velas? Lá não há eletricidade?
— Elequê?
— Eletricidade. Energia elétrica. As coisas lá são movidas a quê?
— A vapor. É tudo com caldeira.
— Mas isso não é incômodo?
— Às vezes. O barbeador portátil, por exemplo. Precisa de dois para segurar. Mas o resto...


Luis Fernando Veríssimo

Nenhum comentário:

Postar um comentário