Eu, por exemplo, já pensei muito no que pediria ao Diabo em troca da minha alma. Já que não quero nem poder, nem glória, nem, na minha idade, loiras ilimitadas. O que seria? Não, não pediria Sabedoria, nem domínio sobre o Tempo e o Espaço. Pediria, para começar, que a minha mala fosse sempre a primeira a aparecer na esteira, no aeroporto.
— O quê?! — diria o Diabo.
— Quero que a minha mala seja sempre...
— Eu ouvi. Só não acreditei. Você tem certeza que é isso mesmo que quer? Em troca da sua alma?
— Para começar.
— Pense no que está fazendo! É a sua alma, a sua eternidade, que você está me entregando. E em troca quer essa... Essa mesquinharia?!
— Mesquinharia? Pra você. Minha mala nunca — nunca! — é a primeira a aparecer na esteira. Isso é uma aberração estatística. Pelo menos uma vez ela poderia ter aparecido, mas nunca aconteceu. Quero ter a felicidade de ver a minha mala aparecer na esteira do aeroporto na frente das outras. E não uma vez. Todas as vezes!
— Você não quer conhecer os segredos da Matéria e do Universo? Você não quer todos os poderes do mundo?
— Quero um poder só.
— Qual?
— O de poder abrir celofane de CD com a unha.
— Como é?
— Quero o poder de arrancar o celofane que envolve os CDs usando só a unha, sem precisar recorrer a tesourinhas, facas ou dentes, rapidamente e na primeira tentativa.
— Está bem — suspira o Diabo. — O que mais?
— Preciso pensar um pouco. O que mais? Ah, sim. Cartilagem de galinha.
O Diabo não consegue mais nem falar. Me manda prosseguir com um gesto desanimado.
— Não quero mais ter a surpresa de morder uma cartilagem de galinha, frango ou galeto. Nunca mais. Pelo resto da vida.
O Diabo parece estar a ponto de desistir, de mim e da minha alma. Ele deveria ter previsto isto, quando eu o convenci a aceitar minha assinatura no contrato com Bic vermelha em vez de sangue. Mas o contrato está assinado e tem que ser honrado.
— Que mais? — pergunta o Diabo, de olhos fechados.
— Vaga em estacionamento de shopping. Sem precisar rodar muito. Para sempre.
— Tá bom. Que mais?
— É isso.
O Diabo abre os olhos. Tenta, pela última vez, dar um significado maior ao nosso encontro, ou um valor maior à sua compra.
— Tem certeza? Você não quer que eu lhe revele a Razão e o Objetivo da Existência?
— Tá doido.
— Não quer nada mais em troca da sua alma? Nenhum outro saber que a maioria dos mortais não tem?
— Nenhum.
Mas aí me ocorre outro.
— Ah, sim. Quero saber acertar o timer do videocassete!
E então o Diabo desiste.
Concluindo: não há mais Faustos como antigamente.
Luís Fernando Veríssimo
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