domingo, 22 de fevereiro de 2009

A velhinha contrabandista.

Todos os dias uma velhinha atravessava a ponte entre dois países, de bicicleta e carregando uma bolsa. E todos os dias era revistada pelos guardas da fronteira, à procura de contrabando. Os guardas tinham certeza que a velhina era contrabandista, mas revistavam a velhinha, revistavam a sua bolsa, e nunca encontravam nada. Nada. Todos os dias a mesma coisa: nada. Até que um dia um dos guardas decidiu seguir a velhina, para flagrá-la vendendo a muamba, ficar sabendo o que ela contrabandeava e, principalmente, como. E seguiu a velhinha até o seu próspero comércio de bicicletas e bolsas.
Como todas as fábulas, esta traz uma lição, só nos cabendo descobrir qual. Significa que quem se concentra no mal aparentemente disfarçado descuida do mal disfarçado de aparente, ou que muita atenção ao detalhe atrapalha a percepção do todo, ou que o hábito de só pensar o óbvio é a pior forma de distração. No Brasil, temos o hábito de procurar e nos indignar com o escândalo menor e deixar passar o escândalo maior, ou o uso do dinheiro público para lucro privado e proveito político, que inclui desde privatizações subsidiadas pelo Estado e a benemerência com bancos falidos até espionagem e contra-espionagem com fins eleitoreiros, sem falar no condominato com as "oligarquias corruptas do Norte e Nordeste", que só se tornaram reprováveis quando se tornaram politicamente inconvenientes.
Isto é banal, é o corriqueiro, é a velhinha passando de bicicleta pela ponte todos os dias.


Luís Fernando Veríssimo

2 comentários:

  1. Mas que velhinha picareta, hein!

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  2. "o hábito de só pensar o óbvio é a pior forma de distração"

    Que crônica legal Gorduxo!
    É pra refletir mesmo hein?!

    Beijão

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