segunda-feira, 29 de junho de 2009

Os 10 Mandamentos do Chimarrão.


1- NÃO PEÇAS AÇÚCAR NO MATE

O gaúcho aprende desde piazito o porquê o chimarrão se chama também mate amargo ou, mais intimamente, amargo apenas. Mas se tu és de outros pagos, mesmo sabendo, poderá achar que é amargo demais e cometer o maior sacrilégio que alguém pode imaginar nesse pedaço do Brasil: pedir açúcar. Pode-se por água, ervas exóticas, cana, frutas, cocaína, feldspato, dollar, etc... mas jamais açúcar. O gaúcho pode ter todos os defeitos do mundo, mas não merece ouvir um pedido desses. Portanto, tchê, se o chimarrão te parece amargo demais, não hesites, pede uma coca-cola com canudinho. Tu vais te sentir bem melhor.

2- NÃO DIGAS QUE O CHIMARRÃO É ANTI-HIGIÊNICO

Tu podes achar que é anti-higiênico por a boca onde todo mundo põe. Claro que é. Só que tu não tens o direito de proferir tamanha blasfêmia em se tratando de chimarrão. Repito: pede uma coca-cola de canudinho. O canudo é puro como a água de sanga (pode haver coliformes fecais e estafilococos dentro da garrafa, não nele).

3- NÃO DIGAS QUE O MATE ESTÁ QUENTE DEMAIS

Se todos estão chimarreando sem reclamar da temperatura da água, é porque ela é perfeitamente suportável por pessoas normais. Se tu não és uma pessoa normal, assume tuas frescuras (caso desejes te curar, recomendamos uma visita ao analista de Bagé). Se, porém, te julgas perfeitamente igual aos demais, faze o seguinte: vai para o Paraguai. Tu vai adorar o chimarrão de lá.

4- NÃO DEIXES UM MATE PELA METADE

Apesar da grande semelhança que existe entre o chimarrão e o cachimbo da paz, há diferenças fundamentais. Como o cachimbo da paz, cada um dá uma tragada e passa-o adiante, já o chimarrão não. Tu deves tomar toda a água servida até ouvir o ronco da cuia vazia. A propósito, leia logo o mandamento abaixo.

5- NÃO TE ENVERGONHES DO "RONCO" NO FIM DO MATE

Se, ao acabar o mate, sem querer fizer a bomba "roncar", não te envergonhes. Está tudo bem, ninguém vai te julgar mal-educado. Esse negócio de chupar sem fazer barulho vale para a coca-cola com canudinho que tu podes até tomar com o dedinho levantado (fazendo pose de assumida).

6- NÃO MEXAS NA BOMBA

A bomba de chimarrão pode muito bem entupir, seja por culpa dela mesma, da erva ou de quem preparou o mate. Se isso acontecer, tens todo o direito de reclamar. Mas por favor, não mexas na bomba. Fale com quem te passou o mate ou com quem lhe passou a cuia. Mas não mexas na bomba, não mexas na bomba e, sobretudo, não mexas na bomba.

7- NÃO ALTERE A ORDEM EM QUE O MATE É SERVIDO

Roda de chimarrão funciona como cavalo de leiteiro. A cuia passa de mão em mão, sempre na mesma ordem. Para entrar na roda, qualquer hora serve, mas depois de entrar, espera sempre a tua vez e não queiras favorecer ninguém, mesmo que seja a mais prendada prenda do estado.

8- NÃO CONDENES O DONO DA CASA POR TOMAR O PRIMEIRO MATE

Se tu julgas o dono da casa um grosso por preparar o chimarrão e tomar ele próprio o primeiro mate, saibas que o grosso és tu. O pior mate é o primeiro, e quem toma está te prestando um favor.

9- NÃO DURMAS COM A CUIA NA MÃO

Tomar mate solito é um excelente meio de meditar sobre as coisas da vida. Tu mateias sem pressa, matutando... E às vezes te surpreendes até imaginando que a cuia não é cuia, mas o quente seio moreno daquela chinoca faceira que apareceu no baile do Gaudêncio... Agora, tomar chimarrão numa roda é muito diferente. Aí o fundamental não é meditar, mas sim integrar-se à roda. Numa roda de chimarrão, tu falas, discutes, ris, xingas, enfim, tu participas de uma comunidade em confraternização. Só que essa tua participação não pode ser levada ao extremo de te fazer esquecer a cuia que está na tua mão. Fala quanto quizeres mas não esqueças de tomar o teu mate que a moçada tá esperando.

10- NÃO DIGAS QUE O CHIMARRÃO DÁ CÂNCER NA GARGANTA

Pode até dar. Mas não vai ser tu, que pela primeira vez pega na cuia, que irás dizer, com ar de entendido, que o cancerígeno. Se aceitaste o mate que te ofereceram, toma e esqueces o câncer. Se não der para esquecer, faz o seguinte: pede uma coca-cola com canudinho que ela etc... etc...

domingo, 28 de junho de 2009

É isso aí...









domingo, 14 de junho de 2009

Blue Man Group - Baba O'Riley

Vídeo muito massa do Blue Man Group tocando Baba O'Riley do The Who.
Quero agradecer o Igue, que me mandou esse vídeo que não consigo cansar de olhar.

Nas palavras de Duda Calvin:
-Feitoooooooooooooooooooooooooooo!!!!


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quinta-feira, 4 de junho de 2009

Apontamentos para uma história de horror. Ou um novelão.

Uma mulher - trinta e quatro, trinta e cinco anos, solteira, tímida, poucos amigos, morando sozinha - está um dia olhando os novos lançamentos numa livraria, pois seu maior prazer é a leitura, quando sente uma mão no seu braço e ouve uma voz de homem que diz:- Vamos?
Ela vira-se, já pronta para repelir o homem rispidamente, co­mo faz com todos que ousam importuná-la, quando nota que o homem é cego. Fica sem saber o que dizer. O homem estranha o silêncio, aperta o seu braço e diz:
- Isabel?
E ela, sem saber por que, mas com a intuição de que a sua vida a partir daquele instante será outra, o coração batendo, diz: - Sim...- Vamos?
E ela, o coração batendo:
- Vamos.
O homem é mais moço do que ela. Bonito. Bem vestido. Bem cuidado. Deixa-se guiar por ela, fazendo perguntas sem muito in­teresse. Por que estão pegando um táxi e não o carro? Ela diz que perdeu a chave do carro na rua. Ele sorri e diz "Você..." Quando chegam no apartamento dela ele pergunta onde estão. Ela diz "Em casa..." e ele diz "Estranho..." Mas não diz mais nada. Nem quan­do ela faz ele sentar numa poltrona que certamente não é a fa­vorita dele. Nem quando tira os seus sapatos, e afaga sua cabeça, e pergunta se ele quer alguma coisa antes do jantar. Só quando ela pergunta o que ele quer que ela faça para o jantar, diz:
- Você vai cozinhar?
-Vou.
- E a cozinheira?
- Despedi.
Ele parece não se interessar muito. Perde-se dentro do aparta­mento à procura do quarto, pois quer trocar de roupa. Ela o guia de volta à cadeira. Diz que é para ele ficar quieto, deixar tudo com ela. E para si mesma diz: amanhã preciso comprar umas roupas pra ele. Ela capricha no jantar, que ele come em silêncio.
Ele não comenta que a voz dela está diferente. Não acha mais nada estranho. Só na cama, quando ela o abraça, e guia a mão dele pelo seu corpo, ele começa a dizer:
- Sabe...
Mas ela cobre a boca dele com a sua.
Era uma mulher solitária, nunca tivera ninguém para cuidar. E agora tinha um homem em casa. Um homem que precisava dela, que não podia fazer nada sem ela. Um homem que não podia ver o seu rosto.
Cuidava dele, tinha certeza, melhor do que a mulher de ver­dade. Dava banho nele. Vestia-o com a roupa que ela escolhia e comprava. E à noite, na cama, amava-o como, tinha certeza, ne­nhuma mulher jamais o amara.
Ela se perguntava se ele realmente acreditava que ela era a mulher dele. A voz. Não desconfiava da voz? E da súbita mudan­ça de vida? O desaparecimento de amigos, do resto da família... Mas como saber que vida ele levava com a outra?
Convenceu-se que ele sabia que se enganara, aquele dia, na li­vraria, sabia que estava vivendo com outra mulher, mas que prefe­ria assim. Até que uma noite, na cama, depois de se amarem como todas as noites, ele de repente perguntou:
- Você é mesmo a Isabel?
Ela hesitou. Se dissesse "não" podia ouvir dele a frase "Eu sa­bia", e a confissão que preferia assim, e que a amava apesar dela ter-se passado pela outra, e mantê-lo preso naquele apartamento. Mas também podia perdê-l o para sempre. Não arriscou. Respondeu:
- Claro que sou. Que pergunta!
Na manhã seguinte, quando ela acordou, ele não estava do seu lado na cama. Ela o encontrou na cozinha, morto. Tinha corta­do os pulsos com a faca do pão.
Foi difícil explicar por que ela sabia tão pouco daquele ho­mem que vivia com ela e se matara na sua cozinha. Só sabia mes­mo o que estava na sua carteira. Foi a própria polícia que, dias de­pois, contou a ela tudo que ela não sabia. O homem ficara cego ainda em criança. Perdera os pais. Vivia sozinho com a irmã.
- E a mulher - corrigiu ela, ainda zonza. Não conseguia pen­sar direito desde que descobrira o corpo na cozinha.
- Não, não. Nunca casou. Viviam sozinhos, ele e a irmã. Ele tinha desaparecido. Se perdeu dela numa livraria e a irmã
estava preocupadíssima. -Irmã?
- É. Isabel.


Luís Fernando Veríssimo